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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Reflexões

A Organização do Espaço Brasileiro Sob o Neoliberalismo


Zeno Soares Crocetti
*


O território brasileiro foi cunhado sob uma perspectiva colonial, ou seja, foi pensado sob a ótica do pacto colonial, da Divisão Internacional do Trabalho (DIT), dessa maneira sua compartimentação, sociedade e economia deveria servir a metrópole.
Isso se evidencia ao longo do processo de implantação do modelo, quando analisamos sua Formação Sócio-Econômica, sempre voltado para beneficiar o mercado externo, em prejuízo da Formação Sócio-Espacial Brasileira. Passamos por diversas crises de identidade política e econômica, mas a Elite dirigente em associação ao grande capital externo sempre garantiram a hegemonia e o domínio do território via pacto de poder.
Com os conflitos europeus, e a crise religiosa dos séculos XVII e XVIII, ocorreram vários momentos de afrouxamento das amarras que prendiam as colônias as metrópoles. Num desses momentos limites a família real se deslocou para colônia, fato que iria modificar profundamente as relações entre Colônia e Metrópole.
No Brasil a resistência tentou a construção de uma nova via uma alternativa ao poder português/inglês, mais que foi logo abafada com o golpe de D. João VI, passando praticamente o poder ao seu filho, D. Pedro I. Esse fato iria selar a sorte, talvez de uma Formação Sócio-Espacial diferente para o Brasil. Essa posição conservadora da Elite fica mais cristalina quando mais uma vez breca o avanço social no Brasil com o golpe de 1850 e a implantação da lei das terras, assegurando e perpetuando o latifúndio no Brasil.
Durante a transição do império para a República, mais uma vez o território brasileiro sofreria várias alterações, ora teve um desenvolvimento mais autônomo e nacionalista, ora teve uma aliança mais subserviente com o centro do capitalismo. Mas devemos aqui ressaltar três momentos importantes desse processo sócio-econômico e cultural da formação territorial do Brasil.
– O modelo de desenvolvimento nacionalista-populista de Getúlio Vargas, de substituição às importações;
– O modelo desenvolvimentista populista de Juscelino Kubitschek, com abertura ao capital internacional;
– O modelo desenvolvimentista autoritário/nacionalista dos milicos, gestor de uma industrialização Estatal com centros de pesquisas;

Esses modelos criaram o Brasil moderno dos anos 30-80, sendo que o modelo mais consistente foi o dos militares, que proporcionou um desenvolvimento da infra-estrutura, que foi a base da instalação do parque industrial autônomo e moderno, baseado em financiamento público, gerando um grande parque industrial Estatal, além de institutos de pesquisa. Que competiram com as multinacionais aqui instaladas.
Com o fim do regime militar, e a transição para a democracia civil, esse modelo foi atropelado com as grandes transformações ocorridas no mundo; A queda do Muro de Berlin (1989) e o fim da URSS (1991), fatos esses que abriram as portas para uma “nova” ordem econômica mundial: A Globalização neoliberal, ou seja, o controle dos fluxos de capitais, mercadorias e tecnologias, para Milton Santos, o período Técnico Científico Informacional, para a oposição Européia, o período do pensamento único.

Quais seriam as influencias e as transformações territoriais desse modelo no Brasil?
No início da década de 90, o então presidente Collor, deu início ao processo de integração do Brasil ao modelo neoliberal da globalização, embora a matriz ideológica ainda não se encontrasse totalmente definida. Apesar de que alguns teóricos como F. Hayek, já tivessem teorizado esse modelo depois da 2ª Guerra mundial, embora tivessem lançado luz a um novo modelo político/econômico, cuja base conceitual foi dissimulada em sua obra, O Caminho para Servidão.
Mas o “novo” modelo, só conseguiu decolar mundialmente depois que o FMI e BIRD, assumiram um compromisso político de semear esse modelo político, fato que ocorreu no final de 1993, em Washington, onde centenas de representantes do grande capital e alguns chefes de Estado ou seus representantes, assumiram coletivamente a implantação do modelo, o Brasil na época foi representado por seu ministro da economia, na época FHC, que garantiu perante seus pares a implantação do modelo no Brasil.
Esse encontro ficou conhecido pela alcunha de Consenso de Washington, cuja base ideológica foi definida pelo modelo teórico/político neoliberal, que propunha basicamente 4 pontos de gestão do território;

· Plano de estabilização econômica, (fim da inflação, Real);
· Reformas Estruturais, (Emendas Constitucionais, Lei de responsabilidade fiscal, Previdência, Administrativa, Judiciário, etc.);
· Modernização do Estado, (Privatização, Estado-Mínimo);
· Integração Econômica Internacional, (globalização).

De posse desse mecanismo, a Elite dirigente brasileira encontrou em FHC, o candidato perfeito para o aperfeiçoamento e consolidação do neoliberalismo no Brasil, iniciado com o Collor. Durante a gestão de FHC, teve início a radical transformação do Estado brasileiro, bem como uma nova territorialização do espaço brasileiro, que podemos assim resumir;

– Integração subordinada do Brasil ao capitalismo internacional, sem contra partida para sociedade brasileira, ou seja, sem políticas compensatórias.
– Privatizações do sistema Estatal de infra-estrutura, siderúrgicas, Telefônicas, Petroquímico, Energéticas, Saneamento, material de transporte (Mafersa etc.) Sistema Financeiro (bancos, corretoras, seguradoras, etc.), além de concessões a iniciativa privada de serviços públicos tais como; saúde, previdência, ferrovias, rodovias, portos, etc.;
– Abertura irrestrita do mercado interno brasileiro aos produtos internacionais, justificado pela necessidade de combater a inflação e assegurar a estabilidade da moeda;
– Desencadeamento de uma “Guerra dos Lugares”, ou seja, uma guerra fiscal sem precedentes na história brasileira, entre as unidades da federação brasileira, gerando uma imensa crise fiscal e financeira fragilizando ainda mais as empresas brasileiras, levando muitas a falências ou a venda para grupos internacionais.
O impacto dessas transformações levou o Brasil a sua maior crise econômica e política de sua história até aqui. Crise que levou o país a banca rota no final de 1998, tendo que para não ficar insolvente, evitando assim um colapso total da economia, bateu a porta do FMI, em busca de um empréstimo Jumbo. Acordo firmado no desespero pelos picaretas de plantão, se sujeitando totalmente sem pudor as políticas do FMI, firmando uma carta de intenções, com um doloroso ajuste fiscal nas contas públicas, além de se comprometer com superávit primários futuros, elevando substancialmente juros e impostos para assegurar a estabilidade e segurar a inflação.
No balanço desse modelo, foi constatada mais uma vez, que a década de noventa também passou para a história recente do país como mais uma década perdida. Um país cada vez mais dividido, endividado, com um aprofundamento da crise fiscal, econômica, social, com o maior recorde de desemprego e baixos salários, e com uma crise moral, fruto de sucessivas CPI’s. O modelo neoliberal deixa seqüelas incalculáveis a sociedade brasileira, tais como a privatização atabalhoada do Setor Público e Estatal, o sucateamento das infra-estruturas, construídas pelos modelos anteriores.
Desse pesadelo real, fica um país inseguro, infeliz, com baixa estima, sem nenhuma projeto de Estado para o futuro, onde educação, saúde, seguridade, segurança, foram totalmente sucatados e no seu rastro um gigantesco desemprego.
Essa e síntese do legado concreto da grande transformação do neoliberalismo no Brasil.
* Texto escrito e apresentado na UFSC em dezembro de 2000, ao programa de pós-graduação em Geografia, na modalidade mestrado como exigência na etapa de prova escrita.