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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Eduardo Galeano Redimiu intelectualmente um continente

Eduardo Galeano e o Brasil

Ivan Lessa*

Eduardo Galeano é um dos grandes nomes na literatura latino-americana

 Foto Reuters
Um dos grandes nomes da literatura latino-americana, o escritor uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira ao 74 anos em Montevidéu. Autor do clássico As Veias Abertas da América Latina - entre outros títulos - Galeano foi tema de uma coluna do escritor Ivan Lessa na BBC Brasil em 7 de dezembro de 2009.

No texto, o colunista da BBC Brasil, que morreu em 2012, lembra do episódio em que o então presidente venezuelano Hugo Chávez presenteou o recém-eleito Barack Obama com um livro de Galeano, em abril de 2009.
Lessa recorda ainda o primeiro contato que teve com o escritor uruguaio, na redação do Pasquim na década de 1970.
Confira a coluna de Ivan Lessa:

Eduardo Galeano e o Brasil

"Eduardo Galeano. Isso mesmo. Uruguaio. Escritor. Perto dos 70 anos. Mais de 40 livros publicados. Quase todo traduzido. Para o português, para o inglês. Ele vai de história, ficção, poesia, jornalismo, análise política e o que mais lhe passar na frente. É um desses homens, radicais, que, sozinho, redime intelectualmente um continente. Conheci-o brevemente. Rio de Janeiro, anos 70, redação do Pasquim. Era amigo do Jaguar (quem não é amigo do Jaguar?), levou lá até a casarona na Saint Roman mais de uma matéria. Todas sobre a América Latina e seu árduo e ingrato papel desempenhado através dos séculos no continente. Principalmente naquela época do Pasquim, quando se atravessava e éramos atravessados pelos Anos de Chumbo. Não entendi o Galeano não ser preso imediatamente ao desembarcar no Galeão. Inclusive pela ressonância dos nomes. Da mesma maneira como não entendia nós, do jornaleco, estarmos também à solta, ou, mais complicado ainda, qual a razão de se tentar – eu disse tentar – fazer um hebdomadário satírico-humorístico naquele momento, naquele país.
Daí ele foi para um lado, nós para outro. Eu principalmente fui para um outro muito outro. Acompanhava, aqui de Londres, desde 1978, o que ele andava escrevendo e que aqui chegava. Também me lembro de seus depoimentos, sempre eloquentes e apaixonados, como ele, em um ou outro documentário britânico que levavam aqui na televisão. Eram raros, mas impossíveis não assistir. Depois, perdi seus escritos de vista. Até que, agora, no começo deste ano de 2009, o bombástico Hugo Chávez presenteou o recém-empossado presidente Barack Obama com um exemplar do livro mais conhecido de Galeano, As Veias Abertas da América Latina.
Galeano é responsável ainda pela invenção de um gênero histórico do qual tirou patente. São pequenas narrativas episódicas, discretíssimas, que não levam mais que uma página para iluminar isso e aquilo outro para este e aquele outro leitor. Prepondera, em muitas destas historietas, chamemo-las assim, o elemento humorístico. Não fosse seu humor, sempre corrosivo, o responsável pelo Jaguar ter encomendado texto dele para o Pasquim.
Na onda do presente do presidente venezuelano para o presidente americano (espero que Obama tenha, ao menos, folheado, ou pedido a um assessor que lhe desse um resumo) várias de suas obras foram reeditadas aqui, no Reino Unido, e nos Estados Unidos. Outro dia estive folheando Espelhos: Histórias de Quase Todo Mundo (editora Portobello, 340 páginas, uns US$ 35), que comprei pela sedutora Amazon.co.uk. São 600 episódios curtinhos narrando a história do mundo, com ênfase, é óbvio, em se tratando de Galeano, na América Latina.
Do meio de tanta história (recuso-me ao "estória", que é de exclusividade guimaro-roseana), todas contadas com elegância e o mínimo possível de palavras, catei para reproduzir, sem ofender, espero, nenhum direito autoral, ou outro que seja, o seu resumo do fim da monarquia em nosso Brasil brasileiro. Adianto que considero as linhas que se seguem aquilo que se pode chamar de clássico instantâneo. Um pouco pois de nós e de Galeano:
'Certa manhã, políticos monarquistas acordaram republicanos.
Dois anos depois, a constituição estabeleceu o sufrágio universal. Todo mundo poderia votar, menos as mulheres e os analfabetos. Como quase todos os brasileiros eram ou mulheres ou analfabetos, praticamente ninguém votou. Nas primeiras eleições democráticas, noventa e oito por cento em cada cem brasileiros não compareceram ao chamado das urnas.'
O livro está nas livrarias do Brasil com o título de Espelhos – Uma História Quase Universal. Como toda obra de Eduardo Galeano, foi editado pela L&PM editores. Está em tempo. O presente ideal de Natal para este ano de véspera de eleição."

* Transcrito da BBC Brasil de texto publicado em 7/12/2009. Ivan Lessa, foi colunista da BBC Brasil , morto em junho de 2012.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Marx tinha razão

Marx tinha razão


27/10/2003
     Luis Fernando Veríssimo 

  

Fico cada vez mais marxista. Acho que há uma frase do Groucho Marx adaptável a qualquer situação. Lula fez mal em não lembrar a mais famosa delas, ao tomar posse. Groucho disse que se recusava a ser sócio de um clube que aceitava gente como ele. Lula deveria ter desconfiado do fato do clube aceitar sua eleição: ou o clube pretendia mudar ou esperava que ele mudasse. Lula mudou para poder freqüentar o clube, o clube ainda não mudou muito. Tudo porque Lula não leu o seu Marx adequadamente. O fato de não ter sido barrado já deveria tê-lo alertado de que o clube não era para gente como ele.
Outra frase de Groucho se adapta à situação econômica. Groucho como médico, olhando seu relógio e tirando o pulso de um paciente: "Ou este homem está morto, ou o meu relógio parou". O grande debate sobre economias em subdesenvolvimento na América Latina, 20 anos depois que a doutrina de segurança continental dos generais neopaleolíticos foi substituída pela doutrina neoliberal dos economistas neoclássicos, é mais ou menos o mesmo: foi a doutrina que não funcionou no continente, onde em 20 anos a desigualdade só aumentou, ou foi o continente que decepcionou uma doutrina perfeitamente aceitável, tanto que, no Brasil, ela continua em vigor? Aqui, o clube resolveu o debate de maneira original ao manter o modelo liberal: reconheceram que o paciente está morrendo e, para reanimá-lo, dão corda no relógio.
Também há marxismos para a atualidade internacional. Groucho como general, cercado por generais, diante de um mapa de campanha: "Uma criança de três anos entenderia isto". E depois de uma pausa: "Chamem uma criança de três anos, rápido". Uma criança de três anos teria dito ao Bush que a invasão do Iraque daria nesse atoladouro. Faltou uma criança de três anos entre os seus conselheiros neoconservadores e neofalcões. O secretário de Defesa Rumsfeld finalmente entendeu isto e o seu memorando interno para o Pentágono é, em resumo, um apelo tardio pela criança de três anos. Tudo porque as pessoas não lêem Marx, ou lêem o Marx errado.