Estamos caminhando como sonâmbulos em direção à catástrofe
Edgar Morin
Reproduzido de: Pensar Contemporâneo
Um espaço destinado a registrar e difundir o pensar
dos nossos dias
Traduzido do site TerraEco
O que fazer neste período de crise aguda?
Indignar-se, certamente. Mas, acima de tudo, aja. Aos 98 anos, o filósofo e
sociólogo nos convida a resistir ao ditame da urgência. Para ele, a esperança
está próxima.
Por que a velocidade está tão arraigada no
funcionamento de nossa sociedade?
A velocidade faz parte do grande mito do progresso
que anima a civilização ocidental desde os séculos 18 e 19. A ideia subjacente
é que agradecemos a ela por um futuro cada vez melhor. Quanto mais rápido
formos em direção a esse futuro, melhor, é claro.
É neste contexto que as comunicações, econômicas e
sociais, e todos os tipos de técnicas que possibilitaram a criação de
transporte rápido se multiplicaram.
Penso em particular no motor a vapor, que não foi
inventado por razões de velocidade, mas em servir a indústria ferroviária, que
se tornou cada vez mais rápida.
Tudo isso é correlativo por causa da multiplicação
de atividades e torna as pessoas cada vez mais com pressa. Estamos numa época
em que a cronologia se impõe.
Então isso é novo?
Antigamente, você consultava o sol para se orientar
no tempo. No Brasil, em cidades como Belém, ainda hoje nos encontramos “depois
da chuva”.
Nesses padrões, seus relacionamentos são
estabelecidos de acordo com um ritmo temporal pontuado pelo sol. Mas o relógio
de pulso, por exemplo, fez com que o tempo abstrato substituísse o tempo
natural. E o sistema de competição e concorrência – que é o de nossa economia
de mercado capitalista – significa que, para a competição, o melhor desempenho
é aquele que permite a maior velocidade. A competição, portanto, se transformou
em competitividade, o que é uma perversão da concorrência.
Essa busca por velocidade não é uma ilusão?
De alguma forma. Não percebemos – embora pensemos
que estamos fazendo as coisas rapidamente – que estamos intoxicados pelo meio
de transporte que afirma ser rápido. O uso de meios de transporte cada vez mais
eficientes, em vez de acelerar o tempo de viagem, acaba – principalmente por
causa de engarrafamentos – desperdiçando tempo! Como já disse Ivan Illich
(filósofo austríaco nascido em 1926 e morto em 2002, ed): “O carro nos atrasa
muito”.
Até as pessoas, imobilizadas em seus carros, ouvem
o rádio e sentem que ainda estão usando o tempo de uma maneira útil. O mesmo
vale para o concurso de informações. Agora recorremos ao rádio ou a TV para não
esperar a publicação dos jornais. Todas essas múltiplas velocidades fazem parte
de uma grande aceleração do tempo, a da globalização. E tudo isso nos leva ao
desastre.
O progresso e o ritmo em que o construímos
necessariamente nos destroem?
O desenvolvimento tecnoeconômico acelera todos os
processos de produção de bens e riquezas, os quais aceleram a degradação da
biosfera e a poluição generalizada. As armas nucleares estão se multiplicando e
os técnicos estão sendo solicitados a fazer as coisas mais rapidamente. Tudo
isso, de fato, não vai na direção de um desenvolvimento individual e coletivo!
Por que buscamos sistematicamente utilidade no
decorrer do tempo?
Veja o exemplo do almoço. Tempo significa convívio
e qualidade. Hoje, a ideia de velocidade faz com que, assim que terminemos o
prato, chamemos um garçom que corre para recolher os pratos. Se você ficar
entediado com seu vizinho, tende a querer diminuir esse tempo.
Esse é o significado do movimento slow-food que deu
origem à ideia de “vida lenta”, “tempo lento” e até “ciência lenta”. Uma
palavra sobre isso. Vejo que a tendência dos jovens pesquisadores, assim que
eles têm um campo de trabalho, mesmo muito especializado, é que eles se
apressem para obter resultados e publiquem um “grande” artigo em uma “grande”
revista científica internacional, para que ninguém mais publique antes deles.
Esse espírito se desenvolve em detrimento da
reflexão e do pensamento.
Nosso tempo rápido é, portanto, um tempo antirreflexo.
E não é por acaso que existem várias instituições especializadas em nosso país
que promovem o tempo de meditação. O yoguismo, por exemplo, é uma maneira de
interromper o tempo rápido e obter um tempo silencioso de meditação. Dessa
maneira, evita-se a cronometria. As férias também permitem que você recupere
seu tempo natural e esse tempo de preguiça. O trabalho de Paul Lafargue O
direito à preguiça (que data de 1880, ed) permanece mais atual do que nunca,
porque não fazer nada significa tempo limite, perda de tempo, tempo sem fins lucrativos.
Por quê?
Somos prisioneiros da ideia de rentabilidade,
produtividade e competitividade.
Essas ideias foram exasperadas com a concorrência
globalizada, nas empresas, e depois se espalharam para outros lugares. O mesmo
vale para o mundo da escola e da universidade! O relacionamento entre o
professor e o aluno exige um relacionamento muito mais pessoal do que apenas as
noções de desempenho e resultados. Além disso, o cálculo acelera tudo isso.
Vivemos um tempo em que ele é privilegiado por tudo. Bem como saber tudo e
dominar
tudo. Pesquisas que antecipam um ano de eleições
fazem parte do mesmo fenômeno. Chegamos a confundi-los com o anúncio do
resultado. Tentamos eliminar o efeito de surpresa sempre possível.
De quem é a culpa? Capitalismo? a ciência?
Estamos presos em um processo espantoso em que o
capitalismo, as trocas e a ciência são levados a esse ritmo. Não se pode ser
culpa de um homem.
Devemos acusar Newton por ter inventado o motor a
vapor? Não. O capitalismo é essencialmente responsável, de fato. Por sua
fundação, que é buscar lucro. Pelo seu motor, que é tentar, pela competição,
avançar seu oponente.
Pela incessante sede de “novo” que promove através
da publicidade… O que é essa sociedade que produz objetos cada vez mais
obsoletos? Essa sociedade de consumo que organiza a fabricação de geladeiras ou
máquinas de lavar não para a vida útil infinita, mas para se decompor após oito
anos? O mito do novo, como você pode ver – mesmo para detergentes – visa sempre
incentivar o consumo. O capitalismo, por sua lei natural – a concorrência – empurra,
assim, para uma aceleração permanente e por sua pressão consumista, sempre para
obter novos produtos que também contribuem para esse processo.
Vemos isso através de múltiplos movimentos no
mundo, esse capitalismo é questionado. Em particular na sua dimensão financeira…
Entramos em uma crise profunda sem saber o que
sairá dela. As forças de resistência realmente se manifestam. A economia social
e solidária é uma delas. Ela representa uma maneira de lutar contra essa
pressão. Se observarmos um impulso para a agricultura orgânica com pequenas e
médias fazendas e um retorno à agricultura, é porque grande parte do público
começa a entender que galinhas e porcos industrializados são adulterados e desnaturalizam
solos e águas subterrâneas.
Uma busca por produtos artesanais indica que
desejamos fugir dos supermercados que, eles próprios, exercem pressão do preço
mínimo sobre o produtor e tentam repassar um preço máximo para o consumidor. O
Comércio Justo também está tentando ignorar os intermediários predatórios. O capitalismo
triunfa em certas partes do mundo, mas outra margem vê reações que surgem não
apenas de novas formas de produção (cooperativas, fazendas orgânicas), mas
também da união consciente dos consumidores.
É aos meus olhos uma força não utilizada e fraca
porque ainda dispersa. Se essa força tomar conhecimento de produtos de
qualidade e de produtos nocivos, superficiais, uma força de pressão incrível
será aplicada e influenciará a produção.
Os políticos e seus partidos parecem não estar
cientes dessas forças emergentes. Eles não carecem de análise de inteligência…
Mas você parte do pressuposto de que esses homens e
mulheres políticos já fizeram essa análise. Mas você tem mentes limitadas por
certas obsessões, certas estruturas.
Por obsessão, você quer dizer crescimento?
Sim Eles nem sabem que o crescimento – supondo que
volte aos chamados países desenvolvidos – não excederá 2%! Não é esse
crescimento que conseguirá resolver a questão do emprego! O crescimento que
queremos rápido e forte é um crescimento na competição. Isso leva as empresas a
colocar as máquinas no lugar dos homens e, assim, liquidar as pessoas e aliená-las
ainda mais. Parece-me assustador que os socialistas possam defender e prometer
mais crescimento. Eles ainda não fizeram um esforço para pensar e buscar novos
pensamentos.
Desaceleração significaria decadência?
O importante é saber o que deve crescer e o que
deve diminuir. É claro que cidades não poluentes, energias renováveis e obras
públicas saudáveis devem crescer. O pensamento binário é um erro. É a mesma
coisa para globalizar e desglobalizar: é necessário continuar a globalização no
que cria solidariedades entre as pessoas e com o planeta, mas deve ser
condenada quando cria ou não traz zonas de prosperidade, mas de corrupção ou
desigualdade. Eu defendo uma visão complexa das coisas.
A velocidade em si não tem culpa?
Não. Se eu pegar minha bicicleta para ir à farmácia
e tentar fazer isso antes dela fechar, vou pedalar o mais rápido possível.
Velocidade é algo que precisamos e podemos usar quando necessário. O verdadeiro
problema é diminuir com êxito nossas atividades. Retomar o tempo, natural,
biológico, artificial, cronológico e conseguir resistir.
Você está certo ao dizer que o que é velocidade e
aceleração é um processo extremamente complexo da civilização, no qual
técnicas, capitalismo, ciência e economia têm sua parte. Todas essas forças
combinadas nos levam a acelerar
sem que tenhamos controle sobre elas. Porque a
nossa grande tragédia é que a humanidade é arrastada em uma corrida acelerada,
sem nenhum piloto a bordo. Não há controle ou regulamentação. A própria
economia não é regulada.
O Fundo Monetário Internacional não é, nesse
sentido, um sistema real de regulamentação.
A política ainda não deveria “levar tempo para
reflexão”?
Muitas vezes, temos a sensação de que, por sua
pressa de agir, de se expressar, ele vem trabalhar sem nossos filhos, mesmo
contra eles… Você sabe, os políticos estão embarcando nessa corrida para
acelerar. Li recentemente uma tese sobre gabinetes ministeriais. Às vezes, nos
escritórios dos conselheiros, havia anotações e registros rotulados como “U”
para “urgentes”. Depois veio o “MU” para “muito urgente” e depois o “MMU”. Os gabinetes
ministeriais agora estão invadidos, desatualizados.
A tragédia dessa velocidade é que ela cancela e
mata o pensamento político pela raiz. A classe política não fez nenhum
investimento intelectual para antecipar, enfrentar o futuro. Foi o que tentei
fazer em meus livros como Introdução a uma política do homem, Caminho, Terre-patrize…
O futuro é incerto, é preciso tentar navegar, encontrar um caminho, uma
perspectiva. Sempre houve ambições pessoais na história. Mas eles estavam
relacionados a ideias.
De Gaulle sem dúvida teve uma ambição, mas teve uma
ótima ideia. Churchill tinha ambição a serviço de uma grande ideia, que era
salvar a Inglaterra do desastre. Agora, não há mais grandes ideias, mas grandes
ambições com homenzinhos ou mulheres.
Michel Rocard recentemente lamentou sobre “Terra
eco” o desaparecimento da visão de longo prazo…
Ele tinha razão e não tinha. Uma política real não
está posicionada no imediato, mas no essencial. Por esquecer o essencial da
urgência, acabamos esquecendo a urgência do essencial. O que Michel Rocard
chama de “longo prazo”, eu chamo de “problema de substância”, “questão vital”.
Pensar que precisamos de uma política global para a salvaguarda da biosfera –
com um poder de decisão que distribua responsabilidades porque não podemos atribuir
as mesmas responsabilidades aos países ricos e aos países pobres – é uma
política essencial para longo prazo. Mas esse longo prazo deve ser rápido o
suficiente, porque a ameaça está se aproximando.
Edgar Morin, o estado de urgência perpétua de
nossas sociedades o torna pessimista?
Essa falta de visão me força a ficar na brecha. Há
uma continuidade na descontinuidade. Eu fui da época da Resistência quando
jovem, onde havia um inimigo, um ocupante e um perigo mortal, para outras
formas de resistência que não carregavam o perigo da morte, mas o de permanecer
incompreendido, caluniado ou desprezado.
Depois de ser comunista de guerra e depois de ter
lutado com a Alemanha nazista com grandes esperanças, vi que essas esperanças
eram enganosas e rompi com esse totalitarismo, que se tornou o inimigo da
humanidade. Eu lutei contra isso e resisti. Eu, naturalmente – defendi a
independência do Vietnã ou da Argélia, quando se tratava de liquidar um passado
colonial. Pareceu-me muito lógico depois de ter lutado pela independência da
França, ameaçada pelo nazismo. No final do dia, estamos sempre envolvidos na
necessidade de resistir.
E hoje?
Hoje, percebo que estamos sob a ameaça de duas
barbáries associadas.
Antes de tudo, humano, que vem do fundo da história
e que nunca foi liquidado: o campo americano de Guantánamo ou a expulsão de
crianças e pais que estão separados, acontece hoje ! Essa barbárie é baseada no
desprezo humano. E então o segundo, frio e gelado, com base em cálculo e lucro.
Essas duas barbáries são aliadas e somos forçados a resistir em ambas às
frentes.
Por isso, continuo com as mesmas aspirações e
revoltas que as da minha adolescência, com a consciência de ter perdido ilusões
que poderiam me animar quando, em 1931, eu tinha dez anos.
A combinação dessas duas barbáries nos colocaria em
perigo mortal …
Sim, porque essas guerras podem a qualquer momento
se desenvolver no fanatismo. O poder destrutivo das armas nucleares é imenso e
o da degradação da biosfera para toda a humanidade é vertiginoso. Estamos indo,
por essa combinação, em direção a cataclismos. No entanto, o provável, o pior, nunca
está certo aos meus olhos, porque às vezes apenas alguns eventos são suficientes
para que as evidências se revertam.
Mulheres e homens também podem ter esse poder?
Infelizmente, em nosso tempo, o sistema impede que
espíritos se rompam. Quando a Inglaterra foi ameaçada de morte, um homem
marginal foi levado ao poder, seu nome era Churchill. Quando a França foi
ameaçada, foi De Gaulle.
Durante a Revolução, muitas pessoas, sem
treinamento militar, conseguiram se tornar generais formidáveis, como Hoche ou
Bonaparte; avocaillons como Robespierre, grandes tribunos. Grandes momentos de
crise terrível despertam homens capazes de resistir. Ainda não estamos
suficientemente cientes do perigo. Ainda não entendemos que estamos caminhando
para um desastre e estamos nos movendo a toda velocidade como sonâmbulos.
O filósofo Jean-Pierre Dupuy acredita que da
catástrofe nasce à solução. Você compartilha a análise dele?
Não é dialético o suficiente. Ele nos diz que o
desastre é inevitável, mas que é a única maneira de saber que pode ser evitado.
Eu digo: é provável que haja um desastre, mas é improvável. Quero dizer com
“provável” que, para nós, observadores, no tempo em que estamos e nos lugares
em que estamos, com as melhores informações disponíveis, vemos que o curso das
coisas está nos levando a desastres. No entanto, sabemos que é sempre o
improvável que surgiu e que “fez” a transformação. Buda era improvável, Jesus
era improvável, Muhammad, a ciência moderna com Descartes, Pierre Gassendi, Francis
Bacon ou Galileu era improvável, o socialismo com Marx ou Proudhon era improvável,
o capitalismo era improvável na Idade Média … Veja Atenas. Cinco séculos antes
de nossa era, você tem uma pequena cidade grega diante de um império
gigantesco, a Pérsia. E duas vezes – embora destruída pela segunda vez – Atenas
consegue expulsar esses persas graças ao golpe de gênio do estrategista
Temístocles, em Salamina. Graças a essa incrível improbabilidade, nasceu à
democracia, que poderia fertilizar toda a história futura e depois a filosofia.
Então, se você quiser, posso chegar às mesmas conclusões que Jean-Pierre Dupuy,
mas meu caminho é bem diferente. Hoje, existem forças de resistência dispersas,
aninhadas na sociedade civil e que não se conhecem.
Mas acredito no dia em que essas forças se
reunirão, em feixes. Tudo começa com um desvio, que se transforma em uma
tendência, que se torna uma força histórica.
Portanto, é possível reunir essas forças, engajar a
grande metamorfose, do indivíduo e depois da sociedade?
O que chamo de metamorfose é o termo de um processo
no qual, várias reformas, em todas as áreas, começam ao mesmo tempo.
Já estamos em processo de reformas…
Não, não. Não são essas pseudo-reformas. Estou
falando de reformas profundas da vida, civilização, sociedade, economia. Essas
reformas terão que começar simultaneamente e ser inter-solidárias.
Você chama essa abordagem de “viver bem”. A
expressão parece fraca, tendo em vista a ambição que você lhe dá.
O ideal da sociedade ocidental – “bem-estar” –
deteriorou-se em coisas puramente materiais, conforto e propriedade de objetos.
E embora essa palavra “bem-estar” seja muito bonita, outra coisa teve que ser
encontrada. E quando o presidente do Equador, Rafael Correa, encontrou essa
fórmula de “boa vida”, retomada por Evo Morales (presidente boliviano, ed) significava
florescimento humano, não apenas na sociedade, mas também na natureza.
A expressão “viver bem” é sem dúvida mais forte em
espanhol do que em francês. O termo é “ativo” na língua de Cervantes e passivo
na de Molière. Mas essa ideia é a que melhor se relaciona com a qualidade de
vida, com o que chamo de poesia da vida, amor, carinho, comunhão e alegria e,
portanto, com a qualitativa, que a devemos nos opor à primazia do quantitativo
e da acumulação. O bem-estar, a qualidade e a poesia da vida, inclusive em seu ritmo,
são coisas que devem – juntas – nos guiar. É para a humanidade uma finalidade
tão bonita. Implica também controlar simultaneamente coisas como especulação internacional…
Se não conseguirmos nos salvar desses polvos que nos ameaçam e cuja força é
acentuada, acelera, não haverá nada de bom.
Pensar Contemporâneo