Estados Unidos o Terrorista
do Mundo
EUA: Um registro raro
e cruel
Jimmy Carter*
New York Times, 2012
Revelações de que altos funcionários do
governo dos Estados Unidos decidem quem será assassinado em países distantes,
inclusive cidadãos estadunidenses, são a prova apenas mais recente, e muito
perturbadora, de como se ampliou a lista das violações de direitos humanos
cometidas pelos EUA.
Esse desenvolvimento começou depois dos ataques de
11/9/2001; e tem sido autorizado, em escala crescente, por atos do executivo e
do legislativo estadunidense, dos dois partidos, sem que se ouça protesto
popular. Resultado disso, os EUA já não podem falar, com autoridade moral,
sobre esses temas cruciais.
Por mais que os EUA tenham cometido erros
no passado, o crescente abuso contra direitos humanos na última década é
dramaticamente diferente de tudo que algum dia se viu. Sob liderança dos EUA, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada em 1948, como
“fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo”. Foi compromisso claro e
firme, com a ideia de que o poder não mais serviria para acobertar a opressão
ou a agressão a seres humanos. Aquele compromisso fixava direitos iguais para
todos, à vida, à liberdade, à segurança pessoal, igual proteção legal e liberdade
para todos, com o fim da tortura, da detenção arbitrária e do exílio forçado.
Aquela Declaração tem sido invocada por
ativistas dos direitos humanos e da comunidade internacional, para trocar, em
todo o mundo, ditaduras por governos democráticos, e para promover o império da
lei nos assuntos domésticos e globais. É gravemente preocupante que, em vez de
fortalecer esses princípios, as políticas de contraterrorismo dos EUA vivam
hoje de claramente violar, pelo menos, 10 dos 30 artigos daquela Declaração,
inclusive a proibição de qualquer prática de “castigo cruel, desumano ou
tratamento degradante.”
Legislação recente legalizou o direito do
presidente dos EUA, para manter pessoas sob detenção sem fim, no caso de haver
suspeita de ligação com organizações terroristas ou “forças associadas” fora do
território dos EUA – um poder mal delimitado que pode facilmente ser usado para
finalidades autoritárias, sem qualquer possibilidade de fiscalização pelas
cortes de justiça ou pelo Congresso (a aplicação da lei está hoje bloqueada,
suspensa por sentença de um(a) juiz(a) federal). Essa lei agride o direito à
livre manifestação e o direito à presunção de inocência, sempre que não houver
crime e criminoso determinados por sentença judicial – mais dois direitos protegidos
pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aí pisoteados pelos EUA.
Além de cidadãos dos EUA assassinados em
terra estrangeira ou tornados alvos de detenção sem prazo e sem acusação clara,
leis mais recentes suspenderam as restrições da Foreign Intelligence
Surveillance Act, de 1978, para admitir violação sem precedentes de direitos de
privacidade, legalizando a prática de gravações clandestinas e de invasão das
comunicações eletrônicas dos cidadãos, sem mandato. Outras leis autorizam a
prender indivíduos pela aparência, modo de trajar, locais de culto e grupos de
convivência social.
Além da regra arbitrária e criminosa,
segundo a qual qualquer pessoa assassinada por aviões-robôs comandados à
distância (drones) por pilotos do exército dos EUA é automaticamente declarada
inimigo terrorista, os EUA já consideram normais e inevitáveis também às mortes
que ocorram ‘em torno’ do ‘alvo’, mulheres e crianças inocentes, em muitos
casos. Depois de mais de 30 ataques aéreos contra residências de civis, esse ano,
no Afeganistão, o presidente Hamid Karzai exigiu o fim desse tipo de ataque.
Mas os ataques prosseguem em áreas do Paquistão, da Somália e do Iêmen, que
sequer são zonas oficiais de guerra. Os EUA nem sabem dizer quantas centenas de
civis inocentes foram assassinados nesses ataques – todos eles aprovados e
autorizados pelas mais altas autoridades do governo federal em Washington.
Todos esses crimes seriam impensáveis há apenas alguns anos.
Essas políticas têm efeito evidente e
grave sobre a política exterior dos EUA. Altos funcionários da inteligência e
oficiais militares, além de defensores dos direitos das vítimas nas áreas
alvos, afirmam que a violenta escalada no uso dos drones como armas de guerra
está empurrando famílias inteiras na direção das organizações terroristas;
enfurece a população civil contra os EUA e os norte-americanos; e autoriza
governos antidemocráticos, em todo o mundo, a usar os EUA como exemplo de nação
violenta e agressora.
Simultaneamente, vivem hoje 169
prisioneiros na prisão estadunidense de Guantánamo, em Cuba. Metade desses
prisioneiros já foram considerados livres de qualquer suspeita e poderiam
deixar a prisão. Mas nada autoriza a esperar que consigam sair vivos de lá.
Autoridades do governo dos EUA revelaram que, para arrancar confissões de
suspeitos, vários prisioneiros foram torturados por torturadores a serviço do
governo dos EUA, submetidos à simulação de afogamento mais de 100 vezes; ou
intimidados sob a mira de armas semiautomáticas, furadeiras elétricas e ameaças
(quando não muito mais do que apenas ameaças) de violação sexual de esposas,
mães e filhas. Espantosamente, nenhumas dessas violências podem ser usadas pela
defesa dos acusados, porque o governo dos EUA alega que são práticas
autorizadas por alguma espécie de ‘lei secreta’ indispensável para preservar
alguma “segurança nacional”.
Muitos desses prisioneiros – mantidos em
Guantánamo como, noutros tempos, outros inocentes também foram mantidos em
campos de concentração de prisioneiros na Europa – não têm qualquer esperança
de algum dia receberem julgamento justo nem, sequer, de virem, a saber, de que
crimes são acusados.
Em tempos nos quais o mundo é varrido por
revoluções e levantes populares, os EUA deveriam estar lutando para fortalecer,
não para enfraquecer cada dia mais, os direitos que a lei existe para garantir
a homens e mulheres e todos os princípios da justiça listados na Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Em vez de garantir um mundo mais seguro, a
repetida violação de direitos humanos, pelo governo dos EUA e seus agentes em
todo o mundo, só faz afastar dos EUA seus aliados tradicionais; e une, contra
os EUA, inimigos históricos.
Como cidadãos estadunidenses preocupados,
temos de convencer Washington a mudar de curso, para recuperar a liderança moral
que nos orgulhamos de ter, no campo dos direitos humanos. Os EUA não foram o
que foram por terem ajudado a apagar as leis que preservam direitos humanos
essenciais. Fomos o que fomos, porque, então, andávamos na direção exatamente
oposta à que hoje trilhamos.
*Jimmy Carter é Prêmio Nobel e ex-presidente dos EUA.
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