É o emprego, “cara”…
Delfim
Netto
11 de
outubro de 2011
De todos os desperdícios de
recursos naturais de uma sociedade, nenhum é mais injusto, mais prejudicial à
integração social e à autoestima do cidadão do que negar-lhe a oportunidade de
viver honestamente e sustentar a família com o resultado do seu trabalho. É por
isso que a construção de uma sociedade mais “justa” começa pela maximização do
nível de emprego.
Não se imagina que em uma
organização econômica como a que vivemos todos terão emprego a um só tempo,
mesmo nos períodos mais dinâmicos de crescimento. Sempre haverá fases de
acomodação do nível da atividade podendo gerar uma taxa de desemprego
friccional que a sociedade “justa” tem de socorrer com as políticas sociais do
Estado.
Há quatro anos a sociedade
americana viu-se envolvida em uma séria crise bancária que em poucas semanas
eliminou milhares de empregos no setor financeiro, antecipando a tragédia que
em alguns meses suprimiu perto de 15 milhões de postos de trabalho nos demais
setores da economia. Países da Comunidade Europeia sofrem hoje de forma
dramática o agravamento de uma crise de origens similares, sob ameaça de
desmoronamento dos pilares de sua principal construção, o sistema do euro. No
mundo inteiro, algo como 30 milhões de trabalhadores não recuperaram os
empregos incinerados desde a crise de 2008/2009.
As consequências de ordem política e institucional
estão revelando-se na medida em que os cidadãos ocupam as ruas das maiores
metrópoles do Ocidente, cobrando respostas das lideranças globais,
aparentemente perplexas e atordoadas. É surpreendente, mas reveladora deste
estado de coisas, a explicação e o mea culpa atribuídos ao ministro da
Economia da Grécia, Michalis Chryssohoidis: “Nossa situação é desesperadora,
porque reduzimos de forma bastante drástica a renda das pessoas”.
Dos Estados Unidos, os europeus
estavam acostumados a receber conselhos (quando não a mão amiga) para contornar
as crises. O que assistiram, porém, no início da última semana na tevê foi a
imagem de um presidente americano cabisbaixo, desanimado, admitir em plena campanha
que se tornou o “azarão” das próximas eleições. Importante, mesmo, foi Obama
admitir francamente que seus baixos índices de popularidade são consequência do
estado da economia neste final de mandato: “Os eleitores não estão melhores
hoje que há quatro anos. Conseguimos um progresso contínuo para estabilizar a
economia, mas a taxa de desemprego ainda é muito alta”.
Um esforço para estabilizar que
custou mais de 1 trilhão de dólares despejados nos cofres dos bancos para
salvá-los da quebra, na crença de que o sistema financeiro retribuiria
irrigando com créditos o setor produtivo. A esperança era de que o dinheiro do
contribuinte seria usado para financiar a retomada dos investimentos na
indústria e da atividade comercial, voltando a estimular o consumo e com isso a
recuperação do nível de emprego.
Nada do que se esperava
aconteceu, como se sabe. Em contraste, formou-se aquele circuito tenebroso: sem
a expectativa de melhora da demanda interna em razão da manutenção de altos
níveis de desemprego, as empresas simplesmente adiaram investimentos na
produção e não fizeram novas contratações de mão de obra, um circuito que se
autoalimenta e habitualmente conduz à recessão econômica.
O Brasil, é sempre bom lembrar, escolheu logo no
início da crise outro caminho, até certo ponto surpreendente, mas que se
revelou extremamente virtuoso: sem perder muito tempo com a sofisticação de
modelos, o presidente Lula dirigiu-se diretamente ao consumidor brasileiro e,
na linguagem que cada um de seus milhões de eleitores compreendeu rapidamente,
exortou-os a continuar consumindo: “Se você deixar de ir ao mercado ou às
lojas, se parar de comprar com medo de perder o emprego, aí então é que vai
ficar sem emprego, porque a empresa vai deixar de produzir se não tiver para
quem vender”.
Todos sabem que funcionou e o
comportamento da economia brasileira para vencer a crise de 2008/2009 mantendo
os níveis de emprego, a renda salarial e o consumo interno em crescimento, é
reconhecido mundialmente como extraordinariamente bem-sucedido. Hoje o nosso
ex-presidente continua sendo admirado como “o cara”, que intuiu que a saída da
crise estava na manutenção dos empregos e da renda dos salários, mais do que a
salvação da banca.
Curiosamente é Obama, o criador
do honroso apelido, quem hoje faz também uma espécie de mea culpa por
demorar quatro anos para entender a mensagem de seu então “colega”, o
trabalhador Luiz Inácio Lula da Silva.
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