"Estamos fritos",
diz o ex-presidente uruguaio sobre o "bando de picaretas" que lideram
os países do mundo em plena crise
Amilton Farias Amilton Farias
11/04/2020
No último final de semana saiu no canal Filo News uma entrevista imperdível com o
ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica.
Mujica filosofou com o jornalista argentino Julio Leiva sobre
o coronavírus e suas consequências e, ainda que diga que não pretende “fazer
futurologia”, fez algumas previsões sobre o mundo que teremos pós-pandemia. O
pior, diz, é que os líderes que temos atualmente não possuem nenhuma visão geopolítica
para lidar com a crise. “Olha para o Trump… É de chorar. Estamos fritos”, diz.
Traduzimos os trechos mais importantes da
entrevista para que vocês possam refletir. É profundo, é sagaz, é terno, é
Mujica. Leiam e assistam.
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***
– Os líderes mundiais são uma consequência da época
em que estamos vivendo. E não te falo de esquerda nem de direita. Há uma
tendência a ser um bando de picaretas. Por que não olham para mais adiante? A
que vê mais longe é a velha Merkel, que está para sair. Estamos fritos. Não há
gente que olhe geopoliticamente. Olha para o Trump… é de chorar. Quando a
democracia elege um “coiso” desses estamos fritos. Seria melhor se fizéssemos
por sorteio, talvez saísse algo melhor.
“Por que não olham
para mais adiante? A que vê mais longe é a velha Merkel, que está para sair.
Estamos fritos. Não há gente que olhe geopoliticamente. Olha para o Trump… é de
chorar ...”
– Ainda não se pode fazer futurologia, mas vejo
muitos perigos pela frente. (A pandemia de coronavírus) nos pode trazer uma epidemia
de nacionalismo. O nacionalismo é uma coisa positiva para a liberdade dos
pequenos, para a independência dos fracos, mas o nacionalismo extremo é
terrível nas mãos das grande potências, porque é sempre às custas dos fracos.
– Haverá uma guerra entre os laboratórios para ver
quem faz primeiro a vacina ou o remédio. Em toda crise há ganhadores e
perdedores. Com certeza nesta crise haverá gente que vai explorar as leis do
mercado a seu favor. Agora temos a crise da pandemia, mas depois teremos a crise
das consequências. 3 bilhões e tanto de pessoas fazendo quarentena é muito para
que não respingue em todos. Vamos ter crise de preços. Não há nada estável,
está tudo em jogo.
– É tão bonita a vida que ao chegar ao final queria
dizer-lhe que, apesar das dores, das quedas, que por favor sirva outra dose.
Porque o importante na vida não é triunfar, é recomeçar cada vez que se cai.
Por isso nada de frouxidão nem autopiedade. Mal tempo, boa cara, e vamos pra
cima.
“O importante na
vida não é triunfar, é recomeçar cada vez que se cai. Por isso nada de
frouxidão nem autopiedade. Mal tempo, boa cara, e vamos pra cima.”
– Há uma disparada tecnológica terrível. Hoje te
matam com o controle remoto, sem sequer colocar a cara, você não tem como
reagir. Mataram a poesia. Morreu o espírito, morreu a alma. A ciência
contemporânea está condenando o que chamamos de liberdade. Ou melhor: se por
liberdade entende-se seguir seu desejo e suas inclinações, a liberdade existe;
se por liberdade entende-se poder criar seus desejos e suas inclinações, a
liberdade não existe. Este mundo tecnológico e de avanços científicos é
pavoroso. Nos deixou sem religião, nos deixou sem alma, nos deixou sem
espírito.
– Teríamos que pensar por todo o planeta e tomar
medidas por todo o planeta. Inventamos bobagens para acumular e não atendemos
necessidades básicas. Gastamos um montão de dinheiro em porcarias inúteis e não
atendemos questões que são centrais. Mas os interesses imediatos são mais
importantes do que as decisões globais de longo prazo. Não sei
se chegamos aos limites do homem.
“A presença da China
vai seguir crescendo, gostemos ou não. Os países asiáticos irão cada vez pesar
mais e cada vez menos a Europa, que está velha. E nunca vi as grandes potências,
quando entram em decadência, não se sacudirem. Haverá muito inconformismo.”
– Creio que vamos viver uma época relativamente
convulsionada, com muito inconformismo por toda parte. Nesta etapa do
capitalismo em que estamos, uma etapa consumista, essencialmente, uma cultura
que é favorável à acumulação em grande escala, vamos sentir a agulha e o peso
da crise econômica e isso vai cair sobre as expectativas subliminares de muita
gente e vai produzir muito inconformismo. Pode haver saídas nacionalistas, cada
um que se vire do seu jeito.
– Me parece que a presença da China vai seguir
crescendo no mundo, gostemos ou não. Os países asiáticos irão cada vez pesar
mais e cada vez menos a Europa, que está velha. Há mudanças em todas as
relações de poder no mundo. E eu nunca vi as grandes potências, quando entram
em decadência, não se sacudirem. Vai haver inconformismo. Mas estes são
problemas das pessoas do futuro.
– Você não pode consertar o mundo, mas pode
conseguir que a loucura deste mundo não te arraste. Trata de ter tempo para
cultivar teus afetos. Trabalhe para viver, para ter o necessário, o
imprescindível, mas deixe tempo para teus afetos, que é a única coisa que você
vai levar. Você não pode mudar o mundo, mas pode conduzir sua vida, há uma
independência que está aqui (no cérebro), essa nenhum governo pode roubar.
“Você não pode
consertar o mundo, mas pode conseguir que a loucura deste mundo não te arraste.
Trabalhe para viver, para ter o necessário, o imprescindível, mas deixe tempo
para teus afetos, que é a única coisa que você vai levar.”
– Fale com esse que leva dentro. Galope território
dentro de você. Você não precisa se comunicar, o que precisa é se comunicar com
seu eu interior, esse que você leva sepultado e tampado. Busque em lições de
sua própria história. Vale a pena perder um pouco de tempo nas pequenas coisas
interiores. Se quiser colocar em termos difíceis: faça um pouco de introspecção
durante o curso de sua vida, e verá quantas lições vai poder aprender que não
lhe contam os livros. É bom deitar com a pança para cima, olhar o céu e pensar
e recordar, não para se atormentar, mas para aprender.
Entrevista na integra;
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