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sábado, 11 de abril de 2020

As previsões de Mujica sobre a pandemia: “não sei se chegamos aos limites do homem”


"Estamos fritos", diz o ex-presidente uruguaio sobre o "bando de picaretas" que lideram os países do mundo em plena crise

Amilton Farias Amilton Farias
11/04/2020



No último final de semana saiu no canal Filo News uma entrevista imperdível com o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica.
Mujica filosofou com o jornalista argentino Julio Leiva sobre o coronavírus e suas consequências e, ainda que diga que não pretende “fazer futurologia”, fez algumas previsões sobre o mundo que teremos pós-pandemia. O pior, diz, é que os líderes que temos atualmente não possuem nenhuma visão geopolítica para lidar com a crise. “Olha para o Trump… É de chorar. Estamos fritos”, diz.

Traduzimos os trechos mais importantes da entrevista para que vocês possam refletir. É profundo, é sagaz, é terno, é Mujica. Leiam e assistam.
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– Os líderes mundiais são uma consequência da época em que estamos vivendo. E não te falo de esquerda nem de direita. Há uma tendência a ser um bando de picaretas. Por que não olham para mais adiante? A que vê mais longe é a velha Merkel, que está para sair. Estamos fritos. Não há gente que olhe geopoliticamente. Olha para o Trump… é de chorar. Quando a democracia elege um “coiso” desses estamos fritos. Seria melhor se fizéssemos por sorteio, talvez saísse algo melhor.

“Por que não olham para mais adiante? A que vê mais longe é a velha Merkel, que está para sair. Estamos fritos. Não há gente que olhe geopoliticamente. Olha para o Trump… é de chorar ...”

– Ainda não se pode fazer futurologia, mas vejo muitos perigos pela frente. (A pandemia de coronavírus) nos pode trazer uma epidemia de nacionalismo. O nacionalismo é uma coisa positiva para a liberdade dos pequenos, para a independência dos fracos, mas o nacionalismo extremo é terrível nas mãos das grande potências, porque é sempre às custas dos fracos.

– Haverá uma guerra entre os laboratórios para ver quem faz primeiro a vacina ou o remédio. Em toda crise há ganhadores e perdedores. Com certeza nesta crise haverá gente que vai explorar as leis do mercado a seu favor. Agora temos a crise da pandemia, mas depois teremos a crise das consequências. 3 bilhões e tanto de pessoas fazendo quarentena é muito para que não respingue em todos. Vamos ter crise de preços. Não há nada estável, está tudo em jogo.

– É tão bonita a vida que ao chegar ao final queria dizer-lhe que, apesar das dores, das quedas, que por favor sirva outra dose. Porque o importante na vida não é triunfar, é recomeçar cada vez que se cai. Por isso nada de frouxidão nem autopiedade. Mal tempo, boa cara, e vamos pra cima.

“O importante na vida não é triunfar, é recomeçar cada vez que se cai. Por isso nada de frouxidão nem autopiedade. Mal tempo, boa cara, e vamos pra cima.”

– Há uma disparada tecnológica terrível. Hoje te matam com o controle remoto, sem sequer colocar a cara, você não tem como reagir. Mataram a poesia. Morreu o espírito, morreu a alma. A ciência contemporânea está condenando o que chamamos de liberdade. Ou melhor: se por liberdade entende-se seguir seu desejo e suas inclinações, a liberdade existe; se por liberdade entende-se poder criar seus desejos e suas inclinações, a liberdade não existe. Este mundo tecnológico e de avanços científicos é pavoroso. Nos deixou sem religião, nos deixou sem alma, nos deixou sem espírito.

– Teríamos que pensar por todo o planeta e tomar medidas por todo o planeta. Inventamos bobagens para acumular e não atendemos necessidades básicas. Gastamos um montão de dinheiro em porcarias inúteis e não atendemos questões que são centrais. Mas os interesses imediatos são mais importantes do que as decisões globais de longo prazo. Não sei se chegamos aos limites do homem.

“A presença da China vai seguir crescendo, gostemos ou não. Os países asiáticos irão cada vez pesar mais e cada vez menos a Europa, que está velha. E nunca vi as grandes potências, quando entram em decadência, não se sacudirem. Haverá muito inconformismo.”

– Creio que vamos viver uma época relativamente convulsionada, com muito inconformismo por toda parte. Nesta etapa do capitalismo em que estamos, uma etapa consumista, essencialmente, uma cultura que é favorável à acumulação em grande escala, vamos sentir a agulha e o peso da crise econômica e isso vai cair sobre as expectativas subliminares de muita gente e vai produzir muito inconformismo. Pode haver saídas nacionalistas, cada um que se vire do seu jeito.

– Me parece que a presença da China vai seguir crescendo no mundo, gostemos ou não. Os países asiáticos irão cada vez pesar mais e cada vez menos a Europa, que está velha. Há mudanças em todas as relações de poder no mundo. E eu nunca vi as grandes potências, quando entram em decadência, não se sacudirem. Vai haver inconformismo. Mas estes são problemas das pessoas do futuro.

– Você não pode consertar o mundo, mas pode conseguir que a loucura deste mundo não te arraste. Trata de ter tempo para cultivar teus afetos. Trabalhe para viver, para ter o necessário, o imprescindível, mas deixe tempo para teus afetos, que é a única coisa que você vai levar. Você não pode mudar o mundo, mas pode conduzir sua vida, há uma independência que está aqui (no cérebro), essa nenhum governo pode roubar.

“Você não pode consertar o mundo, mas pode conseguir que a loucura deste mundo não te arraste. Trabalhe para viver, para ter o necessário, o imprescindível, mas deixe tempo para teus afetos, que é a única coisa que você vai levar.”

– Fale com esse que leva dentro. Galope território dentro de você. Você não precisa se comunicar, o que precisa é se comunicar com seu eu interior, esse que você leva sepultado e tampado. Busque em lições de sua própria história. Vale a pena perder um pouco de tempo nas pequenas coisas interiores. Se quiser colocar em termos difíceis: faça um pouco de introspecção durante o curso de sua vida, e verá quantas lições vai poder aprender que não lhe contam os livros. É bom deitar com a pança para cima, olhar o céu e pensar e recordar, não para se atormentar, mas para aprender.

Entrevista na integra;


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